Pensar a felicidade me leva inevitavelmente a pensar a minha felicidade, a felicidade dos meus e, se eu for generoso, também a felicidade dos outros. Se esses níveis de felicidade entrarem em questão, a minha terá prioridade. Com certeza minhas escolhas e decisões refletem isso, no dia a dia. Então tenho de reconhecer-me espelhado no comentário daquela mulher que elogiou Jesus, elogiando a mãe dele: “Feliz o ventre que te trouxe e os seios que te amamentaram” (Lc 11,27). Mas, pela seqüência do fato (Lc 11,28), eu preferiria deixar a resposta pra lá, visto que Jesus me nega privilégios.
Jesus anuncia como feliz aquele que faz a vontade do Pai. Ele não mede a felicidade por bem-estar pessoal, tranqüilidade, harmonia... Ele inverte as coisas, como inverteu na parábola do samaritano que socorreu uma vítima de violência gratuita (Lc 10,25-37). Cada vez que Jesus fala de felicidade, está falando da vontade do Pai, cada vez que fala da vontade do Pai, está traduzindo em miúdos o que entende por felicidade.
Chegamos às bem-aventuranças. Aparecem como o exercício da felicidade. Mas precisam ser lidas na perspectiva das atitudes de Jesus, senão cheirariam a escândalo, loucura, falta de bom-senso, imbecilidade, mania de ser do contra. A leitura tem de ser cuidadosa, tem de trazer o olhar de Jesus para os desafios da minha vida.
A partir do senso comum, mostram-se as bem-aventuranças como um estranho cardápio para a felicidade. Uma proposta absurda. Um produto que não empolgaria nenhuma agência de publicidade, uma peça que não encontra lugar em vitrina alguma. Mas é assim mesmo! A proposta de Jesus é de fato essa inversão. Aponta para uma organização social cujos resultados são exatamente o oposto do que se conseguiu até hoje para os filhos de Deus – que são todos, todos nós, todos os humanos, não apenas alguns!
Jesus não toma por modelo de felicidade as lições da prosperidade, vai buscá-las no modo de ser dos pobres (Mt 5,3). A felicidade não se mede pelo bom riso dos fartos, mas se escora na busca das razões de viver para os que já não encontram consolo (Mt 5,4).
Não provém dos atirados, dos mais fortes, dos que falam mais alto o clima de felicidade na terra, e sim dos mansos (Mt 5,5). Se os bens, as oportunidades, a segurança, o conforto não estão na justa medida para todos, ilusória é a felicidade (Mt 5,6). Somente os corações desarmados (Mt 5,8), atenciosos (Mt 5,7) e fazedores da paz (Mt 5,9) conseguem trazer à terra as propostas do céu.
Mas firmeza é preciso! Persistência! Lucidez! Coragem! Uma felicidade nesses moldes atrapalha interesses, planos, metas a serem alcançadas. Não foi com essa lógica que foram urdidas as leis, financiadas tantas pesquisas científicas, montadas as indústrias, iluminadas as vitrinas, bem paga a propaganda. Está dando certo! Por que mexer? Que não se tente destruir este templo (Mc 14,53-65), nem em nome do próprio Deus, dirá, hoje, a religião do mercado!... Quem ousar será eliminado (Jo 11,47-53)... A proposta de felicidade de Jesus continua tendo um preço (Mt 5,10-12). Mas se ele o pagou, estamos bem acompanhados!
* Em tempo: – Se fizermos essa leitura com os olhos voltados para as eleições de outubro, certamente que as bem-aventuranças trazem um desafio para nossas escolhas.
FONTE: O Artigo de J. Thomaz Filho nos foi enviado diretamente pelo autor.