Misericórdia: é a disposição, o modo de ser do coração que tem piedade, do coração que tem compaixão, do coração que sintoniza com o outro, que sofre junto com o outro por causa da miséria, das penas, do sofrimento desse outro. Um coração em estado de alerta, atento à situação do outro, e que toma as dores do outro, e que transforma o sentimento em ato, em cuidado, em serviço à vida agredida do outro,eis um coração misericordioso.
Quem estabelece esse clima não pode estar só, pois, mesmo sem o saber,é em nome de Deus que está agindo, e Deus está ao seu lado. Foi isso o que Jesus fez a cada passo, no concreto e no simbólico, nos feitos e nos ensinamentos. Foi essa a releitura que ele fez das Escrituras. Os antigos viam o paraíso como perdido (Gn 3,1-24). Toda a caminhada de Jesus é no sentido de fecundar o paraíso entre os humanos, e quando ele tinha tudo para maldizer a sua proposta e reconhecer enfim o fracasso, na cruz, ele garante, não a um justo, mas a um pecador “Hoje ainda estarás comigo no paraíso” (Lc 23,39-43), e não querendo que se dispersassem os seus, confia à sua mãe o discípulo amado, e ao discípulo recomenda a sua (Jo 19,25-27). Caim perguntava: “Acaso sou o guarda do meu irmão?” (Gn 4,9). Jesus respondia: “Sejas tu o próximo do teu irmão caído” (Lc 10,25-37). Os antigos liam como zelo de Deus pelos bons o extermínio dos maus (Gn 6,9–9,17; 19,1-29). Jesus, exata, decidida e acintosamente mostrava o contrário, a começar pelos discípulos, a quem instruía por palavras (Mt 5,1–7,27) e pela convivência (Mc 9,33-37; 10,13-16; Jo 13,1-17), passando pelas autoridades religiosas, a quem insistentemente provocou, para que mudassem de mentalidade (Mc 2,1-12; Mt 21,33-46; Lc 16,19-31; Jo 8,1-11; 9,1-41), e transbordando pródigo no meio do povo, curando, perdoando, ensinando e desafiando a segui-lo (Mc 8,34-38). Os antigos se precaviam contra a diferença (Gn 11,1-9). Mas Jesus acolhia a todos que tinham o coração aberto para o cultivo da paz e do bem (Lc 9,49-50).
Jesus é o novo Gênesis, a Vida Nova para todos, abundante, a porta do paraíso que se abre, o roteiro da felicidade. O que é o Novo Reino? A busca do paraíso, a construção dele, não à nossa moda, mas nos termos de Jesus! Novo! Novo! Novo! Inédito e profundamente original! Abrir-nos ao sonho de Deus para que Ele o faça fecundo nesta nossa terra! É obra do nosso suor, sempre provisória, mas sobretudo é obra das mãos dele, do Deus da Vida, que vai preparando, já aqui, a plenitude. Quem tem um coração misericordioso faz vigorar a misericórdia, obra de Deus! Sim, isto é novo, sempre renovado por Deus! Por isso é que vale chamar de Novo Testamento esse legado dos discípulos que nos desafia a seguir o Mestre!
E Ele não faz por pouco, provoca-nos, mexe com o mais fundo de nós mesmos, não nos quer pela metade (Mt 16,24-27; Lc 14,25-27). Coração misericordioso tem de ser um coração abrangente, tem de superar o Antigo Testamento (Mc 12,28-34) e abrir-se para o Novo (Jo 13,33-35). Não mais amar ao próximo como a si mesmo, mas amá-lo como Jesus amou! Ele nos pede o máximo, pede-nos um coração misericordioso, que inclua a todos, também aos inimigos (Lc 6,27-36). Pede-o sem falsa humildade, tem consciência de que ele é a medida da misericórdia, ele é o caminho a verdade e a vida (Jo 14,5-14).
Felicidade haverá, os misericordiosos hão de ir amolecendo os corações de pedra que decretam culpados, para se passarem por insuspeitos!
FONTE: O Artigo de J. Thomaz Filho nos foi enviado diretamente pelo autor.