Corações limpos, corações puros, corações sem mancha, esses entendem o coração de Deus, moldam-se tomando por modelo o próprio Deus. Por isso são felizes. Isto é ver a Deus (Mt 5,8).
Mas o que é um coração limpo? O grande desafio é esse: ter um coração como o de Jesus. Os simples são capazes de entender (Mt 11,25). Alegram-se com a profunda reinterpretação que Jesus faz da lei, da religião: decididamente firma-lhes a esperança, abre-lhes horizontes. Mexe com a situação dos pequenos, dos pobres, dos sofridos, dos socialmente discriminados, dos abandonados, dos pecadores, liberta-os de tanto peso (Mt 11,28-30); Deus não está proibido para eles, afastado, pelo contrário, eles são os preferidos de Deus (Lc 15,8-10), os que vão ser carregados aos ombros (Lc 15,1-7), a casa nunca lhes vai estar fechada, pois por eles pulsa o coração do Pai (Lc 15,11-32).
As prescrições sobre a pureza, minuciosas e rigorosas, eram um tormento para aquela gente pobre, que acabava sentindo-se afastada de Deus, precisando a todo momento recorrer a purificações que a tornassem digna para o culto. O livro do Levítico compendia as situações de impureza e os procedimentos devidos para cada caso. Não se tratava necessariamente de questões morais ou de castidade, mas de estar ritualmente em condições de participar do culto. Apresentar-se com certas doenças de pele, tocar um cadáver, seja humano, seja de animais, comer determinados alimentos, a menstruação da mulher, o pós-parto, tudo isso deixava impuras as pessoas envolvidas ou as que tocassem os objetos por elas tocados. Não era, pois, questão de culpa ou de pecado, mas de estar limpo para o culto, de ser acolhido pela divindade.
O que pensa Jesus, o que faz Jesus? Afronta resolutamente todo esse sistema religioso e social marcado pela exclusão. O que dizer à mulher que há doze anos sofria de um fluxo de sangue? Acusá-la por tornar impura toda a multidão e o próprio Mestre? A resposta é: “Tua fé te salvou” (Mc 5,25-34). Dá razão ao leproso (Mc 1,40-44) e sem receio toca-o, torna-o limpo e o envia ao sacerdote para que ficasse comprovada a sua cura e pudesse voltar ao convívio familiar e social. Priva com os simples pescadores (Mc 1,29-31), com os bem vistos fariseus (Jo 3,1-15), mas também com cobradores de impostos e pecadores (Mc 2,13-17). Toca os mortos (Mc 5,21-24.35-42; Lc 7,11-17), acolhe as crianças (Mt 18,1-4; Mc 10,13-16), fala em público com as mulheres (Jo 4,4-42), respeita os desprezados samaritanos (Lc 9,51-56; Jo 8,48) e até os toma como exemplo de humanidade (Lc 17,11-19; 10,30-37).
De coração limpo, aberto, acolhedor, Jesus contraria o nosso provérbio: Diga-me com quem andas e te direi quem és. Estar entre os “justos” não o sossega, seu coração bate pelos que estão perdidos. E não recomenda uma vida sisuda, cheia de rigores, marcada pelo acúmulo de penitências (Mc 2,18-20). Quer ver a vida fluindo (Jo 10,9-12), confiante (Lc 12,22-32), quer os corações abertos (Lc 9,49-50), com gratuidade (Mt 10,7-8), em festa (Lc 2,8-11), mas fortes o bastante para enfrentar o sofrimento e até a própria morte (Mc 8,34-38; 10,35-40).
Se no meu coração não cabe a humanidade, há entulho a remover. Aparências e conveniências não retratam um coração limpo (Mt 15,1-20), o que cultivo lá dentro é que o pode manchar. Ver o irmão (1Jo 4,20) é a condição para ver a Deus!
FONTE: O Artigo de J. Thomaz Filho nos foi enviado diretamente pelo autor.