Não é difícil alguém conhecer algo sobre a Rainha Elizabeth I da Inglaterra, a Faraó Cleópatra VII do Egito, a Czarina Catarina II da Rússia ou a Rainha Vitória da Inglaterra. Mais raro, porém não impossível, é encontrar alguém que saiba algo sobre a Imperatriz Wu Zetian da China, a Rainha Mary Stuart da Escócia ou a Faraó Hatshepsut do Egito. Mas quantas pessoas são capazes de citar o nome de uma filósofa clássica grega?
Quando falamos de filosofia no mundo clássico grego, uma das bases da cultura ocidental, lembramos de nomes como Pitágoras e Sócrates, entre muitos outros. Mas e Edésia, Leontiona e Melissa? Quem foram essas mulheres? Eram filósofas, cujos nomes foram quase perdidos pela história, seja porque seus textos não sobreviveram ao tempo, ou seja porque tenham sido destruídos intencionalmente. O que sabemos sobre elas vem de fragmentos de suas obras ou, mais comumente, por citações dos seus contemporâneos homens. Mas o pouco que é conhecido já nos indica que elas também tiveram um papel importante na nossa cultura, papel este que foi sendo colocado nas sombras com o passar do tempo. Um bom exemplo é a filosofa da escola socrática Areta (Arate) de Cirene, que viveu entre os séculos V e IV A.C. Registros da época dizem que ela foi acadêmica durante 35 anos nas escolas superiores da cidade de Ática (Grécia), escreveu cerca de 40 livros e formou 110 discípulos e discípulas em filosofia. Gozava de tão alta estima entre seus conterrâneos que eles inscreveram no seu túmulo um epitáfio que a declarava “...o esplendor da Grécia, com a beleza de Helena, a virtude de Penélope, a pena de Aristipo, a alma de Sócrates e a língua de Homero”. Uma grande mulher, sem dúvidas! Mas, nenhum dos seus trabalhos sobreviveu até os nossos dias.... Vejamos um pouco mais sobre essas mulheres.
Edésia (Aedesia) de Alexandria viveu no século V da nossa era e foi respeitada como alguém de grande erudição e distinção pelos demais filósofos da época. Quando da sua morte, em idade considerável, foi louvada em versos por seus colegas da escola neoplatônica. Sabemos da sua existência apenas por citações feitas a ela, já que todos os seus possíveis trabalhos foram perdidos.
Leontiona (Leontion) era uma filósofa, pupila de Epicuro (escola epicurista grega), que viveu por volta de 300 A.C. Suas obras também foram perdidas, mas preservou-se uma carta do mestre a pupila onde ela era elogiada pelos argumentos que usava nos seus trabalhos. Ela também é citada pelos filósofos Plínio e Cícero, sendo que este último a chamava de “mera cortesã” por criticar os trabalhos de Teofrasto. Outra filósofa da escola epicurista foi Batis (Bates) de Lâmpsaco, aluna de Epicuro, que conhecemos apenas por uma carta enviada a ela por seu mestre lamentando a morte do seu filho em 277 A.C. e por alguns fragmentos de suas obras descobertos recentemente nos Papiros de Herculano (em 2015 técnicas modernas de análise por raios X permitiram ler o conteúdo de uma biblioteca carbonizada da antiga cidade de Herculano). Ainda de Lâmpsaco e também filósofa epicurista temos Temista, cuja existência apenas conhecemos pelas críticas de Cícero a obra de Epicuro, que escreveu “... (Epicuro) escreveu incontáveis volumes louvando Temista, em vez de falar sobre homens mais valorosos como Miltiades ou Epaminondas.” Fica claro que Temista e Leontina ainda incomodavam, séculos depois, o romano Marcus Tullius Cicero, que acreditava que o lugar das mulheres era fora das salas acadêmicas. Se lembrarmos as palavras do historiador Michael Grant, no século XX, de que “...a influência de Cicero sobre a história da literatura e das ideias europeias em muito excede a de qualquer outro escritor...” podemos começar a compreender um dos motivos de tantas obras escritas por mulheres não terem sobrevivido até o século XXI.
Hipárquia de Moroneia (Hipparchia) foi uma filósofa da escola cínica que ficou famosa por volta de 325 A.C. por ter optado, juntamente com o marido e também filósofo Crates de Tebas, em doar sua fortuna aos necessitados para viverem uma vida de pobreza em Atenas. Alguns autores também apontam que os dois tratavam-se como iguais, sendo então possível, que este seja o primeiro exemplo registrado de igualdade entre gêneros da história.
A mãe de Platão foi Perictione (Peryktione), uma filósofa da escola pitagórica e aristocrata ateniense amiga de Péricles. Quase nada se sabe, além disso, sobre ela, mas acredita-se que tenha exercido influência na moral e na ética do seu filho, que mais tarde fundaria a primeira instituição de educação superior do ocidente e se tornaria um dos alicerces da filosofia ocidental. Outra filósofa pitagórica foi Aesara de Lucania, que viveu provavelmente entre os séculos IV e III A.C., e é uma das poucas mulheres que teve alguns fragmentos de suas obras preservados. Ela estudava a natureza humana como base para o direito e a moral. Sobre sua vida pessoal, não existem outros registros.
Uma das poucas filósofas plantonistas conhecidas foi Asioteia (Axiothea) de Filos (cerca de 350 A.C.). Embora não tenhamos qualquer registro de uma obra sua, foi citada pelo historiador Temistio por ter, depois de ler “A República”, viajado para Atenas para se tornar discípula de Platão. Como as mulheres não eram aceitas pela “Academia” de Platão, estudou disfarçada de homem. O mesmo, e na mesma época, fez a filósofa Lastênia (Lastheneia) de Mantineia. Depois da morte de Platão, a verdadeira identidade delas foi revelada e o sobrinho do filósofo, Espeusipo, assumiu as duas como discípulas.
Pouco se sabe sobre Melissa, uma filósofa e matemática grega do século VI A.C., já que suas obras não resistiram aos séculos. Algumas cartas da época a apontam como da escola pitagorista, tendo ajudado no funcionamento e sobrevivência da escola pitagórica após a morte do seu mestre (Pitágoras), juntamente com a filósofa Teano (Theano). Esta última também foi aluna de Pitágoras e mais tarde sua esposa, chegando a ser, ela mesma, uma mestra em filosofia, além de matemática e física. Seu trabalho não sobreviveu até os nossos dias, mas por citações de outras fontes sabemos que suas principais obras foram “Máximas Pitagóricas”, “Conselho Feminino”, “Sobre a Virtude”, “Sobre a Piedade”, “Comentários Filosóficos” e “Sobre Pitágoras”. Sua filha com Pitágoras, Damo, também foi uma filósofa dessa escola, publicando as obras do seu pai com a ajuda de Timáridas e Filolau, em Atenas. A principal obra de Damo foi o livro “Geometria Avançada”. Sua irmã, Mia (Myia), foi casada com o famoso campeão olímpico e poeta Milon de Crotone (criador dos métodos de treinamento que até hoje são a base da musculação e do halterofilismo), mas pouco mais se sabe sobre essa filósofa, além da citação do historiador Luciano, em seu livro “Em Honra de um Voo”, que diz que “...poderia falar muito sobre a vida de Mia, filha de Pitágoras, não fosse esta já conhecida de todos. ”. Muitas das obras escritas da escola pitagórica foram destruídas por seus opositores, mas acredita-se que a obra mais importante de Mia tenha sido “Aplicação do Princípio Pitagórico no Cotidiano da Mulher” (infelizmente perdida). Existem dúvidas se a filósofa Arignote tenha sido a terceira filha de Pitágoras e Teano, mas certamente ela pertencia a escola pitagórica e existem registros de que alguns de seus trabalhos sobreviveram até cerca de 250 da nossa era. Um dos seus pensamentos foi conservado no livro “Versos Áureos de Pitágoras” (compilado por Hierocles): “A eterna essência do número é a mais providencial causa de toda divindade, da terra e da região entre estes. Da mesma forma é a raiz da existência contínua das divindades e espíritos, bem como dos seres humanos divinos. ”
Fíntis (Phintys) de Esparta foi uma filósofa da escola pitagórica, tendo vivido no século IV ou III A.C., mas pouco se sabe sobre ela, além de alguns fragmentos de seus escritos que sobreviveram por citação de outros autores. Esparta também foi o lar da filósofa pitagórica Tímica (Timycha), conhecida por ter sido a única sobrevivente dessa escola filosófica na cidade quando ela e seus colegas em Esparta se recusaram a aceitar o tirano Dionísio I de Siracusa como rei. Ela foi poupada pelos soldados de Siracusa por estar grávida, mas acabou presa por ter cuspido no pé de Dionísio I, num gesto de desafio.
Talvez a mais importante filósofa grega tenha sido Temistocleia (Themistoclea), que viveu por volta de 600 A.C. Ela foi a primeira mulher a receber esse título, além de ser também matemática e alta sacerdotisa em Delfos. O Historiador grego Diógenes destaca em sua obra “A vida e as Opiniões de Eminentes Filósofos” (cerca de 200 D.C.) que foi ela quem ensinou a Pitágoras suas doutrinas morais e éticas, citando fontes mais antigas que confirmariam esse fato (Aristóxenes em cerca de 350 A.C.). Também dela, não sobreviveram quaisquer registros diretos dos seus escritos.
A escola pitagórica parece ter sido a que mais abrigou e foi influenciada por mulheres na antiguidade, e alguns de seus aforismos sobreviveram até hoje, tais como "Com organização e tempo, acha-se o segredo de fazer tudo e bem feito.", ou ainda:
Péricles, o grande líder democrático de Atenas e a maior personalidade política do século V A.C., teve como sua segunda esposa uma mulher chamada Aspásia. Poucos registros sobre ela sobreviveram até os nossos dias, mas ela é citada na Suda (uma enciclopédia bizantina do século X) como alguém de “habilidades e inteligência em relação às palavras”, que ensinava retórica e era uma filósofa da escola sofista. Alguns estudiosos acreditam que ela tenha também fundado uma escola para jovens mulheres e inventado o “método socrático”. O próprio Sócrates (segundo seu discípulo Platão, já que suas obras originais se perderam), afirmava que foi ela quem o orientou em sua formação intelectual e filosófica. Seus contemporâneos registraram que ela promovia reuniões literárias em sua casa e participava ativamente dos debates políticos em Atenas, podendo ter tido uma influência sensível na chamada “era de ouro” ateniense. Seus inimigos a acusavam de ser a “cortesã” de Péricles, já que pelas leis atenienses da época eram proibidos casais em segunda união, e tê-lo influenciado negativamente em diversos assuntos políticos.
Uma das mais curiosas filósofas gregas foi Sosípatra. Ela viveu por volta de 360 A.C. e sua narrativa mistura-se com a mitologia grega. Conta-se que foi criada por dois anciões caldeus (astrólogos ou videntes), que ensinaram a ela as artes da clarividência. Quando atingiu a idade para se casar, um dueto foi arranjado entre ela e seu pretendente, o filósofo sofista Eustácio, e ela o venceu com grande facilidade. Previu que teria 3 filhos e que o marido morreria em cinco anos, o que de fato aconteceu. Quando ficou viúva, assumiu o lugar do marido na Academia de Filosofia e conta-se que ela foi uma professora notável, seguindo a escola neoplatônica.
Um evento que é visto por alguns historiadores como aquele que marca o fim da era das filósofas clássicas e o início do seu esquecimento foi o assassinato de Hipátia (Hypacia) no dia 8 de março de 415. Coincidência ou não, a data atualmente reservada para o Dia Internacional da Mulher. Hipátia era uma filósofa grega, matemática, astrônoma e diretora da escola de filosofia neoplatônica da cidade de Alexandria (Egito). Também lecionava lógica e álgebra, e comprovadamente aperfeiçoou alguns instrumentos usados para o estudo de física, entre os quais o hidrômetro. Ficou famosa por ser uma grande solucionadora de problemas. Não era incomum que outros matemáticos lhe escrevessem pedindo ajuda sobre os seus problemas, e ela raramente os desapontava. Escreveu ou colaborou em várias obras e foi reconhecida como uma referência no meio acadêmico da época e, em especial, no complexo da Biblioteca de Alexandria. Quando perguntada o porquê de não se casar, respondia: “Já sou casada com a verdade”.
Para entendermos corretamente o evento histórico que foi seu assassinato, devemos lembrar que o Império Romano se torna oficialmente cristão no ano de 380. Nas décadas seguintes, uma série de conflitos acontecem entre os cristãos e os seguidores das antigas religiões, agora perseguidos pelo estado e pela igreja. Nessas primeiras décadas foram destruídas estátuas e ídolos, ordenadas a derrubado ou fechamento da maioria dos templos pagãos dentro do império e proibidas, eventualmente sob pena de morte, muitas práticas religiosas, incluindo a proibição dos Jogos Olímpicos a partir de 393. Particularmente em Alexandria, o Patriarca Teófilo ordena a destruição do Templo de Serápis em 391, criando um clima pesado na cidade, que se agrava quando o novo Patriarca Cirilo assume em 412. Cirilo era visto como “o pilar da fé”, “pai e doutor da Igreja” pela linha dura e conservadora da cidade, mas também como “monstro, nascido e criado para a destruição da Igreja” por outros cristãos (principalmente nestorianos), devido a forma violenta que combatia o paganismo. Em 415 o prefeito da cidade de Alexandria, Orestes, ordena a execução de um monge chamado Amônio, acusado da morte de alguns pagãos. Isso enfureceu o Patriarca Cirilo...
Hipátia não era cristã, era uma figura pública eminente, era uma mulher exercendo “atividades anti-naturais” para seu gênero e mantinha uma grande amizade com o prefeito da cidade, sendo então, segundo alguns historiadores, o alvo escolhido para a vingança do Patriarca de Alexandria. Na tarde do dia 8 de março de 415, quando voltava do Museu de Alexandria após uma aula, Hipátia foi atacada por um grupo de cristãos, espancada, arrastada pelas ruas até uma igreja e torturada até a morte. Depois de morta, seu corpo foi queimado para que não fosse possível ser sepultada. O simbolismo desse ato violento marca o fim de uma era para as mulheres. Em 476, a porção ocidental do Império Romano cai nas mãos dos bárbaros e se iniciava a Idade Média, que duraria até 1.453, com a queda da sua porção oriental nas mãos dos exércitos mulçumanos.
Artigo dedicado a minha esposa Mônica Lopes, por ocasião do Dia Internacional da Mulher 2017.
Fonte: Referências diversas na Internet, Wikipédia