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As Mulheres que Olham o Crucificado, à Distância

“Permaneciam ali, olhando à distância, algumas mulheres...” (Mc. 15,40-41)

Os evangelistas nos falam delas muitas vezes; o relato da crucificação revela suas presenças como testemunhas e mediadoras. Os relatos de Mateus, Marcos e Lucas coincidem em indicar que as mulheres “contemplavam a cena de longe” . João, “que vê por dentro”, as coloca junto à cruz. Mesmo não podendo estar tão próximas físicamente, elas são como as mães que podem “pré-sentir”, que sabem intuir “desde longe” o que acontece com seus filhos.


Estão ali, precedendo-nos no caminho, e não dizem nada. É seu corpo, são seus gestos, suas mãos, seus olhos, seu silêncio... que falam por elas. A linguagem delas é a linguagem da relação. Se elas podem permanecer nessas circunstâncias, é porque amaram muito. Elas nos falam de resistência e de fidelidade, de uma presença comovedora. Estão juntas, expostas a outros olhares, como comunidade de discípulas em torno a seu Mestre, que lhes ensina, agora sem palavras, uma sabedoria muito maior. Em meio à impotência, não se afastam da dor experimentada ao ver sofrer a quem mais se ama, senão que se expõem ao olhar d’Aquele cujo rosto foi desfigurado.

  • Quem são elas?
  • De onde tiraram forças para permanecer ali quando outros se afastaram?
  • Onde estas mulheres encontraram a força para segui-Lo por este caminho do Calvário?
  • Que faziam elas ali, junto à cruz?
  • Realizam alguma ação eficaz?
  • Vão poder impedir a morte de um inocente?


madalena-01Algumas são chamadas por seu nome próprio, ou são identificadas por vínculos de parentesco, ou ainda por ter gerado e acompanhado outras vidas. São as mesmas mulheres que haviam seguido e servido a Jesus na Galiléia, e agora o farão também na Sua morte. Sobem com Ele ao lugar do abandono e da ingratidão, levantando uma ponte de proximidade e de solidariedade que cruza a totalidade da vida de Jesus. Finalmente, observarão o sepulcro onde colocarão seu corpo (Mc. 15,47). Nem um só instante afastaram seus olhares d’Ele. E o que para uns é escândalo e para outros é loucura, para estas mulheres é uma força de Deus impressionante. Elas acompanharam a vida de Jesus muito de perto, “à sombra”, e agora, a morte d’Ele lança uma forte luz sobre elas, tornando-as visíveis para que todos saibam quem são elas. Elas tem a coragem de permanecer ali, acolhendo o acontecimento em toda sua crueldade e profundidade; elas estão de pé, enquanto outros desistiram ou se afastaram assustados. A partir deste momento elas vão aprendendo a conviver com a morte, com a d’Ele, com a sua e com a dos outros. Vão aprendendo, precisamente em meio à morte, a “celebrar a vida”, mesmo intuindo que uma lança também as atravessará.

“Olhar a morte de frente e aceitá-la como parte da vida é como dilatar a vida... Pode parecer um paradoxo: excluindo a morte de nossa vida, não vivemos em plenitude, enquanto que acolhendo a morte no coração mesmo de nossa vida, dilatamos e enriquecemos esta” (Etty Hillesum).

Há duas palavras que nos ajudam a compreender o sentido da presença das mulheres junto à Cruz, e, ao mesmo tempo, nos ajudam a ver o sentido que deve ter, à luz dessa presença, nossa própria vida humana: compaixão e comunhão.

  • Somos humanos na medida em que somos capazes de compaixão. A presença silenciosa junto à Cruz nos ensina a com-padecer, a abrir o coração e colocá-lo ao alcance do sofrimento e da dor humanas, a deixar-nos configurar por ela, afetar por ela, ser tocados por ela. E deixar que a compaixão comande nossos atos e decisões. Com-paixão, padecer com: esse é o segredo da vida vivida em plenitude. Soli-darizar-se com o outro naquela situação onde ele ou ela não nos pode retribuir, pois está reduzido apenas a uma dor sem limites e sem redenção, a um sofrimento sem explicações.
  • Somos humanos na medida em que somos capazes de comunhão. Comungar com o outro, com sua dor e sua alegria, com sua esperança e sua angústia. Não querer ficar apartados ou distantes das situações que estão sendo vividas e sofridas pelo mais humilde e excluído de nossos semelhantes. É a solidari-edade levada a suas últimas conseqüências. Tudo que afeta o outro, nos diz respeito e é nosso também: seus triunfos ou seus êxitos, seus fracassos, suas solidões, suas incompreensões, sua pobreza, sua dor e sua morte; ou seja, aquilo pelo qual ninguém o acompanha e que o torna tão repugnante que não pode atrair os olhares nem o interesse de ninguém. Isso é a verdadeira comunhão e só os seres humanos são capazes disso.


O que aquelas mulheres “viram, ouviram e tocaram” se entranhou em sua interioridade e gerou nelas uma força de compaixão e comunhão. Olhando de longe, estavam junto a Ele, deixando-se imantar por Ele, vivendo privilegiadamente um mistério que se oferece a todos. Daqui para a frente elas prestarão atenção aos corpos amados e feridos da história e se tornarão pedago-gas de um contato que gera humanidade; elas estenderão suas mãos sobre os necessitados, com o mesmo desejo com que Jesus as estendeu para tocar voluntariamente as pessoas enfermas, selando uma aliança, um “pacto de ternura”, com todos os desprezados e excluídos. Elas escolherão a melhor parte ao acolher, silenciosas, os desprezados, aqueles que são excluídos e retirados das cidades; ao expor-se frente àqueles que morrem indefesos, abandonados nas prisões, nos asilos, nos hospitais...; ao fixar seus olhos naqueles que não tem aparência humana que possamos estimar, nem conta corrente, nem nome...; e estão aí “por todos e para todos”.

crucificacao-01Aprendemos de seus gestos que para abraçar o Crucificado não temos outro acesso que tocar os feridos, pedir a graça de beijar e ser beijados por aqueles que agora são “transpassados” como Ele. Estas mulheres nos ensinam que “subir a Jerusalém” é assumir o conflito e a rejeição por defender os pobres e pequenos; é saber que os grãos hão de cair em terra e germinar. E é, também, subir animando a outros. Precisamos que o feminino em nosso mundo nos desvele que é no coração da humanidade que continua crucificada onde vamos experimentar a salvação, que é nessas realidades mais necessitadas onde irrompem as ondas da reconciliação e da vida, onde se revela a nós “Aquele de quem temos ouvido falar”. Elas nos fazem adentrar na dimensão na profundidade de uma vida encarnada, vulnerável, como a de Jesus. Estão ali, dilatando nossa possibilidade de humanidade, sustentando-se mutuamente e permane-cendo de pé diante d’Aquele que entregou sua vida para nos levantar.

É na “escola dos desfigurados” que as mulheres nos convocam a deixar-nos educar a visão. É a seus pés e a seu lado onde somos instruídos e onde amadurecemos silenciosamente. Algo se tece por dentro que nos prepara para a Ressurreição. Não podemos “viver o Ressuscitado” se não nos atrevemos a olhar e a deixar-nos olhar pelos crucificados. Eles, em sua pobreza e dor, tem o Reino escondido no seu interior. Os olhares das mulheres limpam e curam nossos olhares; seus olhares nos purificam de nossa cobiça, de nossa auto-suficiência e de nossos medos; desvelam nossa indigência e também nossa beleza. Ali aprendemos a contemplar, a fazer sagrada a vida. Ali recebemos o Único Olhar frente o qual pode-mos ser quem somos e abandonar toda defesa. O olhar do Crucificado nos devolve nossa identidade. É estando ali, à distância, que aliviamos o desamparado. Distância que não é distanciamento, mas pro-fundo amor, respeito e, ao mesmo tempo, proximidade íntima frente ao mistério do outro. Somente permanecendo frente ao rosto daquele que se ama até o final.
Isso foram as mulheres para Jesus: companheiras, solidárias, compreensivas no sofrimento. E serão elas as primeiras em experimentar e anunciar a “Vida vestida de presença” , na manhã da Ressurreição.

Textos bíblicos: Mc. 15,40-41 Mt. 27,55-56 Lc. 23,40

 

FONTE: Texto reproduzido a partir de seu original divulgado pela Paróquia São Francisco Xavier (Belo Horizonte/MG) por sugestão de Waldemar Rossi, Coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo

 

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Pe. Adroaldo Palaoro, SJ
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Diretor do CEI Itaici (Centro de Espiritualidade Inaciana de Itaici)

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