Que choro é esse que merece consolo? Que consolo é esse? Não se trata, portanto, da alegria que nos faz chorar. Não se trata do choro de alegria (Mt 5,4), pois este choro já traz em si uma satisfação, é reflexo dessa satisfação, é o choro da conquista, o choro por ter vencido a competição, por sentir-se reconhecido como melhor do que os outros. É o choro da satisfação que só inclui a mim mesmo e aos meus, tendo deixado tantos para trás! É o choro que traduz o riso dos fartos, dos que dão conta do recado, dos que já não precisam dos outros. Nem de Deus! Nem de consolo!
Não se trata tampouco da lamentação dos invejosos, que se roem por não terem chegado lá; do remorso dos imprevidentes, nunca dispostos a fazerem sua parte; da indignação dos trapaceiros, sempre competentes em dar o troco quando se vêem passados para trás. Outro é o choro para o qual haverá consolo, o consolo do Reino, o consolo que não é sossego mas desafio e sustento para prosseguir.
É o choro que reclama pela alegria e a torna fecunda. Então é o choro de quem se sente ferido pela vida, mas decidido a tomar sua cama e andar (Mc 2,1-12); desprezado, mas empenhado em conseguir seu lugar ao sol (Lc 5,12-14); esquecido, mas com a teimosia de não entregar os pontos (Mc 5,25-34); desdenhado, mas perseverante na fé (Mc 3,1-6); pisado, mas zeloso por sua liberdade (Jo 9,1-38); incompreendido, mas paciente com os seus (Mc 8,27-38); visado, mas prudente e contundente frente a quem não quer ver (Jo 8,1-11); odiado, mas sereno, firme e intrépido diante da verdade (Lc 22,66-71); abandonado, mas confiante no Deus da Vida (Mc 15,33-39); é o choro de quem descobriu que assim não dá mais, propõe-se a mudar de rumo e dá os passos na nova direção (Lc 7,36-38), apesar do preconceito alimentado por seu passado (Lc 7,39-50); é o choro de quem perdeu, arrependeu-se e faz o caminho de volta (Lc 15,11-24), apesar de todo o descrédito e da inconformidade de seus irmãos (Lc 15,25-32); é o choro de quem se reconhece explorador dos semelhantes e procura retratar-se do mal causado (Lc 19,8-10), apesar da desconfiança e sarcasmo dos que o conheceram (Lc 19,1-7).
O consolo é para quem se arrepende (Mt 26,69-75; Lc 23,39-43), insiste (Mt 15,21-28), confia (Jo 11,17-27), mantém a esperança para si (Mt 9,27-31) e para os outros (Mt 9,32-33), para quem se dispõe à partilha (Jo 6,9), ao serviço (Mc 1,29-31), ao reparo do mal que foi feito (Lc 22,47-51); para quem se dá o direito de contar com uma nova chance (Jo 20,19-29).
Que consolo é esse? É o consolo de nos descobrirmos participantes do Reino, o consolo que faz brotarem os frutos do Reino, os frutos que Jesus madurou! O fruto do nosso compromisso, sem reservas, com a liberdade: correr o risco de provocar nos outros o exercício consciente e pleno dessa mesma liberdade, para assim também se integrarem no Reino. O que só é possível com o fruto de nossa maturidade no perdão – o dom permanente e pleno -, sem prerrequisitos, sem precondições, sem restrições, mesmo que nossos semelhantes se recusem a usar a mesma moeda. O fruto da inclusão de todos, que não é a simples tolerância à diferença, mas o cotidiano convívio dos diferentes. E o fruto da exigente sintonia com a vontade do Pai. Que desafiante a proposta do Reino, espelhada nas atitudes de Jesus!
FONTE: O Artigo de J. Thomaz Filho nos foi enviado diretamente pelo autor.