Internacional
G-20 e guerra civil na Síria
A crise da Síria não estava inscrita na ordem do dia da reunião do G-20 (conjunto dos 20 países que produzem mais riquezas no mundo), que se realizou nos dias 5 e 6 de setembro em São Petersburgo, Rússia. O debate, preparado por Moscou que preside o G-7 e G-20 este ano, devia ser orientado sobre a recuperação da economia em nível mundial. Que fazer para consolidar a frágil reativação econômica em processo? Não se pode negar a onda de recuperação, mas ainda é muito cedo para gritar “vitória”. A retomada existe, é inegável, mas ainda não se pode prever com certeza quando tempo será necessário para que o desemprego diminua de vez.
A presença de muitos chefes de Estado e de governo dos países ricos e emergentes favoreceu os debates políticos sobre a guerra civil na Síria. Alianças e divisões ficaram mais manifestas, sobretudo o fosso entre os EUA e a Rússia. A eventualidade duma intervenção militar contra o regime de Damasco modificou a agenda do G-20. Havia muitos interesses em jogo: políticos, religiosos, culturais e econômicos. Não se tratava apenas da Síria, mas de toda a região do Médio Oriente. A Rússia, país hospedeiro, era o apoio infalível ao presidente Bashar al-Assad.
Nas últimas duas décadas, em instâncias globais, os emergentes chegavam com um ar de triunfo. Desta vez a situação é outra. Os emergentes foram mais discretos. Fuga de capital, desaceleração, redução dos investimentos, “guerra cambial” (desvalorização cambial). A economia global se recupera, mas a crise ainda não foi superada. O G-20 se compromete a lutar contra os paraísos fiscais e a fomentar o crescimento. Apesar da fragilidade, houve um acordo na cúpula sobre a situação econômica mundial. Os BRICS acusam os países mais ricos de provocar a recessão.
Ponto novo na agenda deste G20: todos os participantes assinaram um acordo para reduzir os gases de efeito estufa.
No contexto de extrema tensão, depois do uso dos gases venenosos Sarin, as análises da atualidade se focalizaram sobre o conflito no Oriente Médio, na Síria. Se no começo de 2011 eram poucos grupos de oposição protestando contra o regime de Bashar al-Assad, agora são muitos grupos envolvidos . O país está rasgado, destruído pela guerra civil (mesmo que o governo de Damasco não o admita). A situação humanitária é desastrosa. A população está dizimada: nos dois últimos anos de conflito, estima-se que 120 mil pessoas foram mortas; 1,6 milhão se exilaram em outros países próximos da região, e quatro milhões são migrantes internos.
A Síria um país com uma rica tradição cultural e religiosa. O patrimônio histórico antigo foi em grande parte destruído.
Durante dois anos, as potências venderam armas. Dois campos se confrontavam. De um lado a Arábia Saudita, a Turquia, os EUA e seus aliados, e do outro lado o Irã apoio indefectível de Damasco, a Rússia, e a China (mais discreta). A guerra se prolongava sem perspectivas de possíveis negociações de paz. A situação estava bloqueada, e a tensão aumentava. O uso de gases tóxicos mudou a situação. Aquele dia (21/08/2013), 1.500 (mil e quinhentos) pessoais foram mortas. A reação foi geral. De repente todos sentiam o risco dum conflito global que podia levar a um conflito amplo internacional. Todos (pessoas ou países) se sentiam alvo potencial.
Duas razões se destacam em meio de muitas outras.
A família al-Assad chegou ao poder em 1971, e ainda aí está! Hafez ficou no poder durante 29 anos. Bashar al-Assad (o atual presidente) sucedeu a seu pai (Hafez) na presidência em 2000. Estabeleceu um regime autoritário, tão forte que atravessa essa guerra civil sem maior dificuldade (aparentemente!).Os rebeldes lutam por mais participação e democracia.
A razão a mais obvia do conflito diz respeito ao papel do Irã na região. O Irã representa uma posição estratégica em toda a região. Tem um perigoso programa nuclear . Os dois “campos” (o da Rússia e o dos EUA) querem ter o “poder” (governo ou rebeldes organizados). Qualquer que seja o vencedor da guerra, é toda a região que será desestabilizada. Até agora não há vencedor, e as potenciais não sabem bem a quem apoiar. A dúvida é: apoiar os rebeldes ou o poder autoritário da família al-Assad? Para os EUA, o importante é não deixar a Síria cair na dependência do Irã. Se cair, isso poderia desestabilizar a região. O “problema” é complexo com suas reviravoltas quase cotidianas. Se ganha Assad é toda a região que está desestabilizada. O Irã tem um perigoso programa nuclear.
Quanto tempo podia durar a guerra? Começou no início de 2011 e se prolongava desde dois anos sem perspectivas de negociações. O dia 21 de agosto de 2013 al-Assad usou gases para manifestar que ele ainda tinha a capacidade de matar a muitos mais. Matou mais ou menos 1.500 pessoas. A reação foi universal. Esse uso de gases representou um passo grave. A situação não podia ficar como estava. Os gases rompiam o marco civilizatório universal, representavam uma generalização do conflito. O que começou como mais uma onda de protestação da primavera árabe em favor da democracia se tornou um conflito complexo, global, amplo, implicando as grandes potencias.
A proposta russa do dia 9 de setembro surpreendeu a todos. O estoque de armas químicas ficaria sob controle internacional e seria destruído aos poucos. Foi um alívio para os dois presidentes Vladimir Putin e Barack Obama, que logo a aprovaram. Começa então um longo percurso para reunificar e reconstruir o país totalmente arrasado e dividido. Tem muitos interesses diferentes em jogo: políticos, religiosos, culturais e econômicos. O país que era uma referência de estabilidade se rompeu. Triste fim para uma primavera sem flores. Tudo deve ser refeito. Só sobram ruínas. A destruição de cidades e de infraestruturas lembra as cidades arrasadas depois da segunda guerra mundial.
Algumas raízes e razões do conflito deverão ser negociadas: 1) o contexto global de “primavera”; 2) a dimensão estratégica do país na região; 3) o atrelamento aos EUA e à Rússia; 4) a influência do Irã; 5) o peso da família al-Assad. Prova do sucesso da proposta é que os dois presidentes e o próprio al-Assad a aprovaram. Washington saúda as proposições muito precisas de Moscou. Agora vem a vez do papel do Conselho de Segurança da ONU. Obama se diz satisfeito com a situação destravada. Prometeu tomá-la a serio.
Diante dum eventual bombardeio para “punir” Assad das vítimas dos gases, o papa Francisco fez um apelo universal pela paz a todos os homens/mulheres de paz. Já em 2003, quando o presidente George Bush organizou uma “guerra preventiva”, o papa João Paulo II fez também um apelo para a paz. O papa Francisco foi ouvido em várias regiões do mundo, e responsáveis religiosos expressaram seu apoio e solidariedade. “Não é nunca o uso da violência que conduz à paz... a guerra leva à guerra”.
Golpe militar no Egito: de volta à estaca zero?
A liberação condicional do antigo presidente Hosni Moubarak, as mobilizações populares contra Mohamed Morsi e a tomada do poder pelos militares, parecem indicar o fim de um ciclo ou esperança de um novo regime político. Os avanços democráticos da revolta de 2011 parecem ter fracassado. A Irmandade Mulçumana, vitoriosa nas eleições, não conseguiu governar o país tomado em consideração o conjunto da população; não teve maturidade política para se abrir à grande parcela da sociedade que não se reconhece na condução realizada para o país. Os militares voltaram a ocupar o poder com o apoio das forças liberais reprimindo qualquer manifestação de oposição. O massacre da Irmandade Muçulmana desmobilizou e dividiu o mundo muçulmano: centenas de mortos só no dia 14 de agosto.
A maioria dos governos que não têm interesses geopolíticos ou econômicos significativos no Egito condenou o golpe militar e a repressão. O Conselho de Segurança das Nações Unidas fez um apelo tímido em favor de uma reconciliação nacional. Índia e China parceiros econômicos importantes, que enfrentam um “terrorismo islâmico” na Caxemira e no Xinjiang, respectivamente, não manifestaram reprovação alguma. Arábia saudita e outros países do Golfo sustentaram os militares em razão da sua hostilidade pela Irmandade Muçulmana. Uma frente bastante heterogênea que reagrupa a Turquia, o Irã e o Qatar denunciou um “terrorismo de Estado”. A União Europeia e os Estados Unidos se limitaram a cortar alguma ajuda financeira. Rússia e Arábia Saudita que têm posições antagônicas no que toca a Síria partilham a mesma hostilidade à Irmandade Mulçumana. Será que a conclusão é aquela do chefe de Al-Qaeda: o que aconteceu no Egito seria a melhor prova do fracasso dos meios democráticos para se alcançar um Estado Islâmico, chamando a Irmandade a se juntar ao jihad e estabelecer um autêntico Estado islâmico. Como vão reagir as vítimas da repressão e os jovens que puseram suas esperanças nas revoluções? Será que o objetivo de um Estado laico e pluralista não seria o caminho para garantir a paz?
África Subsaariana, continente esquecido: conflitos regionais.
A guerra no Mali que dividiu o Norte do país da região da capital Bamako saiu do cenário internacional depois da “restauração” de sua unidade com a ajuda das tropas francesas. Sair do noticiário internacional não significa que a questão do Mali esteja resolvida. O seu exército ainda está enfrentando problemas estruturais e de governança.
No mês de agosto, apareceram notícias da presença de tropas francesas no aeroporto de Bangui, na República Centro-Africana, para proteger cidadãos franceses e liberar as pistas ocupadas por centenas de cidadãos centro-africanos e pessoas de países vizinhos fugindo das investidas de diversos movimentos armados, mais ou menos de obediência governamental, incontrolados pelo novo chefe do Estado. Este chegou ao poder por um golpe em março de 2003, depois de duas tentativas fracassadas contra presidentes diferentes. Incapaz de gerir os conflitos locais, o novo regime instalou-se no imobilismo e na corrupção. Por falta de respostas políticas aos problemas da população, movimentos diversos de descontentamento em 2012 se coligaram e tomaram em março deste ano a capital Bangui provocando luta armada e insegurança generalizada. O governo francês pediu às Nações Unidas para interessar-se pelo caso da República Centro-Africana em vias de “somalização”.
Uma rebelião muito ativa e antiga no nordeste da República Democrática do Congo (RDC), chamada M23, voltou no dia 22 de agosto a bombardear a cidade de Goma no KIVU, que já foi ocupada no passado pelo M23. Uma resposta ordenada pelo Representante especial do secretário geral da ONU foi decisiva para uma ofensiva aparamente vitoriosa das tropas governamentais apoiadas massivamente pelos capacetes azuis.
Enfim, a brigada de intervenção da ONU destinada a neutralizar os grupos armados no Congo, e não somente o M23, começou, em agosto, a participar ativamente nos confrontos armados. O M23 sofreu uma derrota, forçado a recuar a uma distância que não permita mais bombardeamentos de Goma. Nem por isso, a guerra acabou, pois a rebelião desfruta de apoio de Ruanda. Sem apoio dos capacetes azuis, as tropas congolenses não têm como vencer o M23. O mandato da Brigada de intervenção tem limites políticos que impedem uma atuação armada mais determinante.
Daí a convocação em Kampala (Uganda), no dia 05 de setembro, da cúpula da Conferência internacional para a Região dos Grandes Lagos. Em Nairóbi (Quênia), no dia 31 de julho, a mesma cúpula tinha chamado à conclusão rápida das negociações entre Kinshasa e o M23. Negociações essas abertas em dezembro de 2012, que voltaram ao ponto zero em fevereiro de 2013, por causa da aplicação parcial, por parte de Kinshasa, do acordo de paz de 2009 para o Norte-Kivu, razão oficial da criação do M23.
Na quinta feira, 05 de setembro, os chefes de Estado dos Grandes Lagos, reunidos em Kampala, exigiram do M23, a cessação de toda atividade militar e a retomada das negociações com Kinshasa. Desde julho de 2012, é a sétima vez que os chefes de Estado de Angola, Burundi, República Centro-Africana, Congo, RDC, Quênia, Ruanda, Sudão, Tanzânia, Uganda e Zâmbia se reúnem para tentar achar uma solução para a crise persistente no leste da RDC. Kinshasa e a ONU denunciam o apoio militar de Ruanda à rebelião do M23 que enfrenta as forças congolenses na província mineira do Norte-Kivu, que faz fronteira com Ruanda. No passado, houve o mesmo tipo de acusações contra Uganda. Na verdade, trata-se de um conflito regional que atinge os outros países da Região, com influência de Ruanda que tem sido considerada como responsável do genocídio de 1994.