Nasceu o semeador de todo o chão.
Sem medo do terreno, até perverso,
pois, vindo semear o mundo irmão,
não há de se espantar com o diverso,
nem há de sonegar o seu perdão.
Nem pedras que se juntam no quintal,
nem chão que nunca inspira alegre verso,
nem moita de espinheiro tão rival
cancelam-lhe a esperança do universo,
porque o semeador supera o mal.
O céu está com ele! Com razão,
podemos alegrar-nos: é Natal!
J. Thomaz Filho
Dá tempo, ainda dá tempo, povo meu.
Às teclas, por favor, não erre o dedo!
Consulte o coração, lá dentro, o seu,
mas deixe Deus falar, relendo o enredo
de cada um: como é que ele se deu?
Permita alguma luz no grande escuro.
Escute a voz de Deus, não tenha medo
do medo que pintaram no seu muro,
distinga o caramelo do torpedo,
não suje, pros que vêm, todo o futuro.
Reveja os sentimentos, note o breu...
Pra bem da humanidade, o que é seguro?
J. Thomaz Filho
Depois de vida inteira dedicada,
me põem aqui num canto, pra morrer.
Decidem que findou minha jornada.
Sim, cuidam do meu físico... sem ver
que o chão da convivência é minha estrada.
Um morro à minha frente e algum jardim...
Comida em mesa farta... mas sem ter
alguém pra partilhar o quanto em mim
ainda é lucidez e bem-querer...
De fato, é pra esperar somente o fim.
Se for como Deus quer, não digo nada...
(Não dói notar alguém sentindo assim?...)
J. Thomaz Filho
Como é que pode o mundo ser das dores?
A Mãe, tal qual o Filho, não explica.
Porém, também não finge que são flores,
nem foge de quem chora ou se complica:
vai lá, estende a mão, tece valores.
Não pede explicação, mas sabe agir,
e vai a quem precisa e comunica,
por gestos e atitudes, que servir,
cuidar e partilhar identifica
quem sabe olhar pro céu e concluir:
Se o mundo está repleto de clamores,
o céu conta conosco pra intervir.
J. Thomaz Filho
Você não quis somente que eu crescesse,
pois disso a natureza se encarrega.
Que um outro crescimento eu compreendesse:
em paz e humanidade! Que, na entrega
pro bem, a liberdade eu convencesse.
A escola. Mas também você queria
um outro assimilar: “Não seja cega,
voltada só pra si, tua ousadia”.
Só cresce de verdade quem navega
por águas mais profundas, todo dia.
Meu pai!... Que à luz do Mestre eu escolhesse
meu sonho e meu querer: sabedoria!
J. Thomaz Filho
O nosso entendimento desconcerta
e torna-se Babel, pela ambição.
O Espírito, porém em hora certa,
reúne, nos traz luz, paz e razão
e deixa-nos a porta sempre aberta.
O medo perde a vez, não nos abala,
e as línguas já não trazem restrição,
ouvidos se destravam, não se cala
a força que nos vem do mundo irmão:
o Espírito de Deus nos desinstala.
O céu, que não se omite, nos alerta:
diálogo, canteiro em que Deus fala!
J. Thomaz Filho
Ser mãe é, de verdade, dar a vida,
de corpo, de alma inteira, o tempo inteiro.
Ser mãe é carregar, em meio à lida,
um novo ser em si, é ser canteiro
do amor que Deus nos tem – que é sem medida!
Ser mãe é partilhar sabedoria:
fazer compreender como é o roteiro,
ser rumo pro convívio e pra harmonia,
ser luz pra não perder o paradeiro,
ser colo sempre amigo, todo dia.
Ser mãe é ser vigor, brio e guarida.
Ser mãe... Eu sei que Deus em ti confia!
J. Thomaz Filho
Dizer ressurreição, e olhar pequeno?
Dizer ressurreição, mas odiar?
Dizer ressurreição, negando o aceno?
Dizer ressurreição, sem dialogar?
Dizer ressurreição, e expor veneno?
Se o Mestre socorreu a vida inteira,
se o Mestre soube ouvir, soube abraçar,
se o Mestre foi perdão em toda a beira,
se o Mestre soube erguer e renovar,
dizer ressurreição é de outra eira.
Dizer ressurreição de modo pleno
é remover de nós tanta sujeira!
J. Thomaz Filho
A tua competência desmascara
o nosso preconceito, a prepotência.
Quem é que tem cuidado, quem ampara,
no frágil, na incerteza, na carência,
com mais propriedade? Quem encara?
A tua consciência é a contramão
da rígida frieza da exigência,
porque sabe dar voz ao coração
e sabe desdobrar-se na vigência
das dores que pululam neste chão.
A tua persistência é que nos sara.
O céu, mulher, se entende com tua mão.
J. Thomaz Filho
Nascemos para a boa convivência
e agora o grande medo é conviver?
E então eu nem conheço, eu sou ausência,
e miro o meu vizinho por temer,
sem nem querer ouvir, sem mais clemência?
Se tenho a minha casa pra cuidar,
não cuido de o redor compreender?
Se penso o meu conforto e o do meu lar,
eu vou por cor de pele resolver
quem devo ou quem não devo eliminar?
É nesse paraíso da demência,
Brasil, que você insiste em se firmar?
J. Thomaz Filho