Hoje meu comentário tem uma componente de indignação e de emoção, por trazer novamente as questões sociais, do ângulo da questão racial. Continuar neste assunto significa a convicção da importância de trazer para nossas e nossos ouvintes informações e reflexões sobre os problemas enfrentados pelos negros no Brasil.
É claro que esta discussão envolve também indígenas, originalmente os donos do pedaço, da terra em que veio a se desenvolver esta monumental e sofrida experiência da construção de nosso Brasil. E nosso país hoje persegue uma utopia que talvez já não parece tão impossível como outrora: a de podermos nos tornar um país politicamente justo, economicamente sustentável, socialmente rico, regionalmente equilibrado.
Trago a reflexão a partir de minha participação no lançamento do Plano Juventude Viva, iniciativa do Governo Federal, por meio das Secretarias da Juventude e de Promoção de políticas da igualdade racial!! A questão racial é uma questão importantíssima no Brasil e na América Latina. Enquanto em muitas regiões a questão indígena é o que mais pesa, como nos países andinos, onde os indígenas são a maioria que concentra os indicadores de vulnerabilidade social, no Brasil, o tema mais sério e grave é o da discriminação para com a população negra. A realidade indígena sem dúvida traz questões fundamentais de demarcação das terras, de valorização das culturas, de resgate de tribos esquecidas ao longo do violento processo de desenvolvimento, questão que tem sido recebida com fina sensibilidade pela opinião pública. Mas os 500 anos de história evidenciam, no Brasil, uma situação em que os privilégios e o satisfação dos direitos políticos, civis e sociais recaem sobretudo sobre os brancos, enquanto os negros tem uma realidade pautada por afrontas e violações de seus direitos humanos.
Temos tentado mostrar que, se a desigualdade é a grande chaga e contradição que assola a realidade brasileira, representada pela enorme concentração de poder e renda nas áreas ricas das grandes cidades, a enorme maioria dos negros vive em situação de pobreza, precariedade dos serviços de saúde e educação, em periferias com grande precariedade habitacional e urbana, e enormemente vulneráveis à violência.
Existem, felizmente, crescentes contingentes de pessoas pretas e pardas que tem atingido maior acesso aos bens sociais coletivos, mas muitos deles tendo tido maior acesso a renda e melhores serviços desde há uma década. Ademais, outras parcelas da população negra já há décadas conseguiram certa mobilidade social. Pesquisas recentes dão conta da ascensão de pessoas e famílias para as chamadas camadas C e D, onde a maioria é de negros que vem melhorando renda, escolaridade e ampliando aspirações e desejos de legítima ampliação de sua participação na sociedade. Prouni, bolsa família e outras políticas públicas de combate à pobreza tiveram um papel, bem como outras ações provenientes de outros níveis governamentais e da sociedade. Infelizmente, ainda há muitos estados e municípios com estratégias muito tímidas ou superficiais, por exemplo, na inclusão nas universidades estaduais em São Paulo.
Mas a alegria otimista não vai muito além disso. Há uma situação profunda a ser enfrentada, e esse enfrentamento deve ser buscado através de políticas públicas concretas. Uma dessas questões é a da invisibilidade do negro na sociedade, desde sua presença rarefeita na mídia, a sua ausência nas Universidades, nos cargos políticos, e sua pequena presença no mundo do consumo. Mas que estão presentes entre os funcionários dos shoppings, das escolas, e dos espaços da política.
A outra questão é a da criminalização e da violência. Pertencentes aos estratos sociais mais pobres da sociedade, a população negra é a maior vítima da violência, seja física, seja de gênero, geracional ou da gravíssima violência simbólica e do racismo, seja o racismo institucional, seja o preconceito que ainda dificulta a uma cultura do respeito à diversidade e da igualdade racial.
Também são as maiores vítimas de violência física, representada pelos índices de homicídios, e de violência institucional, por parte das polícias, que vai desde as abordagens policiais até as situações de homicídio, mal chamadas de autos de resistência seguidos de morte.
Ceifando cerca de 50 mil vidas por ano, é a maior causa de morte dos jovens de 15 a 29 anos, que são mais da metade das vítimas. De cada quatro mortos jovens, três são negros. Se esse dado é terrível, pior ainda será verificar que entre 2002 e 2008 os homicídios de brancos tiveram queda persistente enquanto os de negros cresceram 20%. Daí que em 2012 foram mortos negros em uma proporção 128% maior que brancos.
O Plano Juventude Viva está em implementação neste momento no estado de Alagoas, que vivia uma situação de violência terrível. Mas irá se disseminar por 132 municípios de todos os estados do País, ao longo do ano que vem, trazendo esta questão para uma maior prioridade governamental. São até o momento mais de 30 iniciativas, envolvendo 22 programas de oito ministérios. Os eixos de atuação são:
O que desejávamos destacar é a forte participação de movimentos sociais, do Conselho da Juventude Negra, coletivos do Hip Hop, visando a construção de uma política com ampla participação dos setores envolvidos. O Plano Juventude Viva vai contribuir para mudar concepções cristalizadas de racismo e violência, que se algumas vezes podem ser atos falhos vindos do inconsciente social, outras vezes são estimulados a partir das instituições.
Está em jogo a igualdade, a inclusão, o desenvolvimento social e cultural, a valorização e o orgulho de nossas riquíssimas matrizes raciais e sociais, como sugeria Darcy Ribeiro em O Povo Brasileiro. Muito há a fazer, muito a construir. Precisamos nos abrir para uma forma mais democrática de encarar as políticas públicas que lutam contra esta dimensão decisiva da desigualdade, para as ações afirmativas, tenham o nome de cotas ou outro nome qualquer. Infelizmente será preciso ainda um longo tempo, como se diz na linguagem popular, correndo contra o prejuízo. O Ponto positivo é que as avaliações destas políticas mostram resultados positivos e saudáveis, de melhoria social do país, aumento de nossa auto estima, e, sobretudo, de ruptura com uma invisibilização sem nenhum sentido.
Fonte: O artigo nos foi enviado diretamente pelo autor, tendo sido primeiramente veiculado pela Rádio Nove de Julho (São Paulo/SP - 1.600 KHz)