Trazemos mais um comentário produzido para a Pastoral Fé e Política. No comentário de hoje, ainda no bojo da semana da consciência negra, achamos importante ampliar nossas reflexões sobre a desigualdade racial, mas dando destaque à questão da grave crise da segurança pública em São Paulo e seu impacto sobre a juventude pobre paulistana.
Inicialmente trazemos nosso elogio à promulgação do feriado de 20 de novembro, dia em que se celebra o herói brasileiro Zumbi dos Palmares e o mês da consciência negra. Neste dia cumprimentamos a todos aqueles que se irmanam e solidarizam com o problema de nossa forte inequidade racial em nosso País, com a luta contra uma forte discriminação racial institucional e social que ainda existe. Portanto, reconhecemos a necessidade de avanços concretos na luta pela dignidade dos negros em nossa sociedade. Sabemos que tanto a promulgação do feriado como o tema são motivo de crítica e contrariedade de muitos, o que respeitamos. Porém, como procuraremos demonstrar, entendemos que ele traz uma contribuição fundamental nesta etapa da vida nacional, em que se busca ampliar a inclusão social e a democracia. Ademais, muitas vezes as opiniões se modificam pela reflexão sobre os dados de realidade.
Senão vejamos: a cidade de São Paulo, uma cidade de periferias povoadas de negros, geralmente descendentes de migrantes, tem um dos maiores índices de pobreza do país. Entre seus 11,3 milhões de pessoas, de acordo com recente artigo de Luis Nassif, existem 500,6 mil famílias pobres, segundo o Censo de 2010. Com renda de até R$ 140 per capita, todas elas poderiam estar inscritas no Programa Bolsa Família. Porém, o número de famílias cadastradas no programa, é de apenas 226,6 mil - o equivalente a 44% do total, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social. São mais de 250 mil famílias, a maioria negras, que a cidade de São Paulo não se esforçou em inserir nos cadastros para que participem de um importante programa social a que teriam direito. Este é só mais um exemplo de que é necessário pautar os direitos dos negros!
Outro exemplo está na carta de Daniel Tavares, negro de 29 anos, ao blog de Cynara Menezes. Diz ele: Minha profissão, de gerente de vendas da Microsoft, me leva a conhecer muitas empresas, e a conhecer várias fórmulas que empresários diversos desenvolvem para ter as melhores equipes e os melhores resultados possíveis. Mas, apesar de serem diferentes, essas fórmulas têm algo em comum: a falta de mulheres negras nelas. Nos meus 29 anos foi raro o momento em que vi uma mulher negra em posição de liderança e destaque em uma empresa. Ao invés disso, elas são a tropa fiel dos departamentos de limpeza, serviços gerais, copas, etc. Começam a rarear das recepções até as supervisões e seus títulos mais comuns são os de Tia/Dona/Querida/Amor.
Ou seja, os avanços da inclusão social e educacional do negro, em programas como Prouni, no ingresso em camadas de maior renda e consumo, não modificam a estrutura social, mantendo o negro numa posição secundária na vida social, como se vê também no caso da subrepresentação dos negros na política. Segundo um relatório do INESC, embora existam causas históricas que explicam as persistentes desigualdades vivenciadas na sociedade brasileira - como o passado de exclusão e invisibilidade da população negra - sabemos que o racismo é o combustível que ainda alimenta a perversa estrutura racial de nossa sociedade, mantém privilégios e é a chave para entender as desigualdades sociais que assolam o país.
E segue: no caso da violência tem crescido o número de homicídios da população negra e diminuído a taxa de homicídios entre a população branca. Em 2010, morreram proporcionalmente 139% mais negros do que brancos. Dos quase 50 mil mortos por homicídios, em 2010, 53,3% eram jovens, dos quais 76,6% negros (pretos e pardos). Entre os negros, o número de vítimas de homicídio aumentou de 27 mil, em 2002, para 33 mil, em 2010, o equivalente a um crescimento de 23,4%.
Grupos militantes vêm denunciando essa situação como um “genocídio” em curso da juventude negra. Há poucos dias foi lançado mais um abaixo assinado, intitulado “Manifesto de repúdio à violência da política de segurança em São Paulo”. Criticando a política de encarceramento em massa e a ausência de outras estratégias, como as penas alternativas, o manifesto afirma: Nas periferias há um misto de ausência de um Estado provedor do bem-estar social e do excesso do Estado punitivo através das forças de repressão e da violência letal acobertada pelo uso do termo “resistência seguida de morte”. Ao mesmo tempo em que as práticas de extermínio se multiplicam e vêm espalhando as mortes violentas de moradores pobres, preferencialmente jovens e negros, das periferias da cidade.
Fazendo referência direta às centenas de jovens mortos nas últimas semanas por assassinos de motos e toucas, em todas as regiões periféricas, a enorme maioria negra e completamente alheia à participação em atividades criminosas, o manifesto diz: “Os responsáveis pela segurança pública devem estar à altura da responsabilidade de suas atribuições e o uso de práticas extra-legais que alimentam essa guerra não podem ser toleradas e muito menos devem fazer parte dos recursos do Estado”.
A crise, que tem como pano de fundo complexas questões ligadas ao crescimento do crime organizado em São Paulo, põe em evidência as políticas de segurança pública no Estado. Analistas afirmam que há pelo menos quatro problemas a serem enfrentados: um padrão autoritário, falta de transparência e pouco controle social na gestão da segurança pública, perda de controle dos liderados, excessivo poder às chamadas polícias de elite e desarticulação entre a atuação das polícias civil e militar.
Recentemente dois desses suspeitíssimos matadores chamavam em voz alta moradores que tivessem “passagem” pela polícia, para em seguida cometer mais uma chacina, matando mais quatro inocentes em uma viela, na Zona Sul.
Criticando a existência de uma lógica cada vez mais militarizada da gestão do social, o manifesto exige “uma política de segurança que desative a lógica da violência e extermínio que hoje prima em nossa cidade”. Infelizmente ainda não se vêm providências à altura do problema. E a insegurança da população das periferias alcança um nível que desde os anos 90 não se via...
Ou seja, ainda há muito a fazer, pela igualdade de direitos e de oportunidades!!
Fonte: O artigo nos foi enviado diretamente pelo autor, tendo sido primeiramente veiculado pela Rádio Nove de Julho (São Paulo/SP 1.600 KHz)