PASTORAL FÉ E POLÍTICA

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O Primeiro Ano da Gestão Fernando Haddad

Ao se aproximar o período das festas de fim de ano, começa a se fazer pertinente falar do ano que se encerra. O ano de 2013 teve a marca forte das mobilizações de junho e toda a complexa conjuntura que se seguiu. Com elas, as várias dimensões da palavra sociedade se fizeram presentes no espaço público: movimentos sociais, agrupamentos espontâneos ou organizados, segmentos sociais como mulheres, negros e jovens, Black Bocks e a vasta e heterogênea multidão encontraram o caminho das ruas e da reivindicação, tanto nas áreas centrais como nas periferias.

Entre a resposta da polícia, muitas vezes com excessos de violência e métodos extremamente questionáveis e as interpretações produzidas pelos meios de comunicação, os movimentos foram pouco a pouco se diluindo, deixando a sensação de se ter assistido e participado de um fato histórico de grande dimensão.

Também ficou a sensação difusa de desconforto diante da dificuldade ou falta de vontade política da maioria da classe política em produzir respostas e mudanças de rumo significativas, na direção apontada pela população. Todos os níveis governamentais, municipal, estadual e federal e todos os poderes – executivo, legislativo e judiciário – foram postos em xeque pela população, seja pela sua reação às mobilizações, seja pela falta de respostas consistentes e imediatas às demandas da população. As mudanças desejadas por todos englobavam principalmente a questão da mobilidade e do transporte público, a melhoria da saúde e da educação, e o combate à corrupção e aos métodos políticos arcaicos ainda vigentes. No fim, um fator de frustração foi o precário resultado da reivindicação por uma reforma política que melhorasse a qualidade da representação política, válida para as eleições de 2014 e que facilitasse a viabilização de mudanças políticas mais consistentes na direção do combate à ainda gritante desigualdade.

Estávamos já no início do segundo semestre quando uma nova geração política que mal acabara de assumir os mandatos de novas gestões municipais precisou assumir um papel protagonista e se colocar como um ator político determinante num quadro político difuso e complexo.

Por um lado, as eleições do ano passado haviam redefinido o quadro político nacional, alternando continuidade e renovação política. Por outro lado, também de extrema importância, a eleição municipal de 2013 marcou o início de uma nova geração de políticas públicas municipais, trazendo grandes expectativas de inovações, especialmente no que diz respeito às relações Estado e sociedade. Questões como maior participação, controle social, transparência e combate à corrupção pareciam ser, junto com mais e melhores serviços, uma das chaves para se avaliar o cumprimento das expectativas populares.

Com tudo isso, todo o debate atual em torno da gestão do governo de Fernando Haddad mostra-se muito relevante não só por tratar-se da mais importante cidade brasileira, uma das principais vitrines da cena política nacional e por ser também um dos principais cenários das mobilizações de junho. A relevância desse debate vem do fato de seu governo ser marcado por medidas arrojadas, com grande potencial de poderem transformar para melhor a gestão pública municipal e melhorar a vida dos paulistanos, com grande poder de difusão e aproveitamento em outras realidades. As limitações vieram do fato de o Governo ter que lidar com uma herança e um orçamento dos governos anteriores, além de enormes demandas represadas em áreas tão diversas como educação infantil, moradia e mobilidade. Centralização dos recursos, excessos na terceirização e pouco desenvolvimento da burocracia municipal eram alguns dos traços marcantes.

Uma medida importante foi ter sido fiel ao compromisso de realizar o Programa de Metas para a gestão 2013-2016, de forma participativa. Apresentado em março de 2013, foi discutido em audiências públicas regionais e temáticas, recebendo algo próximo a 10 mil sugestões, com maior número nas áreas da saúde, mobilidade, educação e moradia. A versão final participativa apresentada na última reunião do ano do Conselho das Cidades, no dia 18/12, mostrou as ações mais demandadas pela população, cabendo citar regularização fundiária de assentamentos, unidades básicas de saúde, provisão de moradias e creches.

Outra medida importante, já bastante comentada neste espaço, foi o processo de diálogo que levou à criação dos Conselhos Participativos nas subprefeituras, reivindicado há vários anos pela sociedade civil. O resultado final desta inovadora eleição de comparecimento voluntário, que escolheria 1.125 entre os 2.855 candidatos registrados, levou às urnas cerca de 120 mil pessoas. Vale destacar que para ser candidato era necessário apresentar uma lista de pelo menos 100 apoiadores, o que significou um rico processo de busca de apoio para as candidaturas nos bairros e comunidades. A avaliação final da eleição permite destacar dificuldades que poderão ser aperfeiçoadas nos próximos anos, como o baixo conhecimento desse processo eleitoral, apesar da propaganda na mídia nos últimos dias, e a distância de alguns colégios eleitorais dos bairros e distritos, dificultando o comparecimento dos eleitores.

Agora, abre-se uma nova etapa de instalação e colocação em funcionamento desse novo órgão de participação: os 1.113 conselheiros que tiveram sua eleição confirmada pela Comissão Eleitoral tomarão posse no dia 25 de janeiro – data do aniversário de São Paulo – para um mandato de dois anos. Os conselhos terão, no mínimo, 19 e, no máximo, 51 representantes. Os cargos não são remunerados. O novo instrumento de participação terá diversas atribuições, entre as quais: acompanhar e fiscalizar no âmbito do território da Subprefeitura a execução do Orçamento e do Programa de Metas, bem como a evolução dos indicadores de desempenho dos serviços públicos. O Conselho Participativo irá também participar da definição das obras a serem executadas pelas subprefeituras, além de indicarem representante para o futuro Conselho de Planejamento e Orçamento Participativo (CPOP), que será criado no próximo ano, bem como de outros conselhos de políticas públicas.

Para enfrentar os problemas da cidade, a Prefeitura criou a Controladoria Geral do Município, que descobriu e encaminhou ao Ministério Público gravíssimas situações de corrupção que operavam impunemente há anos, envolvendo redução dos impostos devidos pelas empresas e gerando desvios de recursos na casa das centenas de milhões de reais. Apesar da gravidade da situação, a Câmara Municipal ainda hesita em aprovar a criação dos cargos que transformariam a Controladoria em um órgão estruturado e permanente.

O Balanço preliminar das realizações deste ano de 2013, apresentado na última reunião do Conselho da Cidade, mostra uma corajosa retomada da presença do Estado na vida dos paulistanos, muitas vezes com medidas polêmicas. Em todas as áreas, contudo, realizações e compromissos firmados publicamente, como na área da Cultura, com os editais VAI 1 e 2 e o dos pontos de cultura, mostrando a prioridade pelas populações mais vulneráveis, pelas periferias urbanas.

A faixa exclusiva de ônibus, reduzindo o tempo dos deslocamentos do transporte público, e também permitindo o deslocamento rápido de ambulâncias, carros de polícia e de bombeiros, salvando vidas, é um exemplo das decisões corajosas que podem ser tomadas em favor de todos. O caso da revisão dos valores do IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano, levando à redução do imposto na maior parte da cidade e ao aumento nas áreas mais ricas, onde houve maior valorização imobiliária, é um exemplo das dificuldades enfrentadas. Mesmo estando previsto em Lei o reajuste da planta genérica de valores e mesmo tendo sido aprovado pela Câmara em primeira votação, a oposição e segmentos da sociedade civil levaram o aumento ao Judiciário, impedindo, até o momento, a sua entrada em vigor.

Para concluir, em recente entrevista, o Prefeito Fernando Haddad sintetizou como ele vê o desafio colocado ao final do primeiro ano de governo: “Para mim, um dos efeitos das jornadas de junho é sobre o orçamento público no Brasil. Não tem como escapar desse debate mais. Queremos aprofundar um Estado de bem-estar social que tem tudo para dar certo, melhorando educação, saúde, transporte público, ou vamos nos intimidar diante de algumas vozes e eventualmente sacrificar ainda mais o povo trabalhador. Isso está em discussão no Brasil. É importante discutir. É o modelo de Estado que nós queremos.

É um grande desafio, sem dúvida, mas que parece dialogar com as expectativas das maiorias das periferias, as quais ainda vivem numa cidade espoliada, com baixa qualidade de serviços, precária infraestrutura e mã condição de mobilidade. Que as marcas da participação e da transparência continuem norteando as ações!

 

Fonte: Rádio 9 de Julho (AM 1.600 KHz SP), artigo enviado diretamente pelo autor.

Pedro Aguerre

Pedro Aguerre
Pedro Aguerre é doutor em Ciências Sociais, professor universitário e militante da área de formação política e cidadã, participando ativamente da Rede Nossa São Paulo. É colaborador da Pastoral Fé e Política da Arquidiocese de São Paulo, comentarista na Rádio 9 de Julho (AM 1.600 KHz/SP) e participa do grupo de coordenação da Escola de Fé e Política Waldemar Rossi. Para falar com Pedro Aguerre, utilize nosso formulário de contato.