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Arquidiocese de São Paulo

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Crise Hídrica: O que Fazer?

A água vai acabar? O que fazer? Os planos apresentados pelo Governo do Estado parecem insuficientes para conter a crise e garantir que a cidade não sofra um dos maiores desastres sociais, econômicos e ambientais da história humana. Os níveis dos reservatórios não param de cair. A péssima gestão de recursos levou a um estado de colapso no sistema e reverter isso custará muito caro.

Desde o começo da crise tenho me esquivado de apresentar soluções. Primeiro porque qualquer discussão sobre o assunto deve ser pública; segundo porque eu não disponho de dados claros os suficientes para respostas científicas. Arrisco um esboço de medidas que me parecem necessárias, eficientes e plausíveis. Mas entendo que elas precisariam ser tomadas em bloco, uma sem a outra não funciona, e muito estudadas. O custo disso? Bilhões e bilhões (possivelmente mais que o montante investido na Copa e Olimpíadas). Algo será necessário a ser feito algo além das lentas transposições já prometidas e interligações de sistemas. Coloco essas sugestões, sobretudo, como discussão de pautas para reinvindicações populares. Nada será feito sem lutas.

-Estatização da Sabesp e adequação da tarifa (1)

-Exploração de água subterrânea em poços públicos de baixo desempenho (2)

-Exploração de água subterrânea em poços públicos de alto desempenho (3)

-Investimento em detecção de perdas (4)

-Criação de um órgão público municipal (5)

-Criação de uma agência federal para áreas metropolitanas (6)

-Projeto de reflorestamento de mananciais (7)

-Investimentos em saneamento, reurbanização e despoluição de rios (8)

-Projetos pilotos de fechamento do ciclo de abastecimento-esgoto (9)

-Instalação de relógios eletrônicos individuais e restrição de cota per capita (10)

-Construção de uma estação de tratamento para a Represa do Rio Grande (11)

(1) Estatização da Sabesp. Isso é o mais fundamental para que o problema possa ser corrigido sem interesses particulares em jogo e para que a crise não volte a ocorrer no futuro. Por que os lugares mais capitalistas do mundo como a Holanda têm seus serviços gerenciados por empresas públicas? Simplesmente porque o setor de água é estratégico demais para ser tratado como mercadoria ou como jogo de ações. A maior parte do capital privado da Sabesp deve ser transferida para os municípios servidos ou Estado. Uma porcentagem pequena pode permanecer negociada em mercados, algo que não passe, por exemplo, de 10%. Com a Sabesp estatizada, eu recomendo que a tarifa da água atinja patamares sustentáveis. Água é bastante barata em meio urbano para gerar inflação geral. A água mais cara é aquela que não temos. Portanto, a arrecadação do Estado com água deve cobrir as despesas de operação e investimentos, com exceção desse período inicial de readequação que demandará capitais gigantescos de várias fontes.

(2) Exploração de água subterrânea em poços públicos de baixo desempenho próximos da metrópole. Em regime de urgência, para que o sistema consiga esboçar recuperação, a Sabesp deve perfurar poços de exploração de água subterrânea em fazendas específicas, a serem desapropriadas segundo mapa de recursos hídricos e alocação de água. É sabido que a eficiência de eventuais poços próximos da cidade não será alta, mas essa água pode contribuir significativamente para o abastecimento, sobretudo se o número de poços for grande. As águas desses poços precisam receber tratamento similar a as provenientes de reservas superficiais (represas). A exploração deve também ser sustentável, sem que seja abstraída mais água que a capacidade de recuperação do lençol.

(3) Exploração de água subterrânea em poços públicos de alto desempenho. Parece adequado trazer água do centro do Estado de São Paulo, dos lençóis aflorados do chamado aquífero Guaraní. Para isso será necessário investimento em grandes aquedutos e subestações de energia elétrica para bombeamento do líquido. Será uma água cara, mas que pode vir em grande quantidade e, se for feito estudo adequado, de forma ambientalmente correta.

(4) Contratação de milhares de equipes treinadas para detecção de perdas. Técnicos munidos de equipamentos ultrassônicos de detecção de vazamento devem percorrer 24hs todas as ruas da capital. Vazamentos devem ser arrumados em poucas horas. Além disso, desvios ilegais precisam ser cortados; quem não paga, não usa racionalmente. Para compensar, tarifas sociais são indicadas. É necessário um investimento massivo nas detecção de perdas, não são meia dúzia de equipes que resolverão o problema na escala de SP.

(5) Criação de um órgão público municipal. A prefeitura precisa ser reinserida no debate a partir de um escritório público de assuntos hídricos, que inexiste até hoje. A função dessa instituição será fiscalização dos órgãos estaduais e projeto para novos empreendimentos públicos urbanísticos no setor das águas, como a perspectiva de uma transição do atual sistema para um gerenciamento sustentável de recursos.

(6) Criação de uma agência federal para áreas metropolitanas. Há uma ambiguidade na legislação se é a responsabilidade de abastecimentos em áreas metropolitanas é do município ou do Estado. Jurisprudência no STF indicou que é do Estado, ao contrário de áreas não-metropolitanas. Nesse caso, a instância federal precisa ter um órgão específico de fiscalização e, até, de investimentos complementares nessas regiões. A instância Estadual não pode simplesmente fiscalizar ela mesma; nem nós podemos fechar os olhos para o problema institucional no setor, com leis demasiadamente complexas.

(7) Programa de reflorestamento de mananciais. As áreas de cabeceiras precisam ser urgentemente recuperadas ambientalmente. Por incrível que pareça, situações análogas mostram que a recuperação hídrica em áreas reflorestadas pode ser surpreendentemente rápida. Não estamos falando, de qualquer forma, de meia dúzia de árvores, mas centenas de milhares de hectares, um projeto massivo.

(8) Investimentos em saneamento, reurbanização e despoluição de rios. Essa é a medida mais importante a ser adotada. A crise de abastecimento já é, na verdade, uma crise antiga e invisível: a de saneamento. O problema em São Paulo não é a falta de água, mas falta de água limpa. Nas últimas décadas, o poder público negligenciou totalmente esses investimentos, porque “saneamento só dá prejuízo” e não traz votos. A última estação de tratamento de esgoto concluída em São Paulo foi em 1998! 1998! Os córregos precisam ser todos redesenhados, se possíveis destamponados e acompanhados de novos parques lineares adjacentes, para reinserir as águas na vida urbana. Cada rio precisa ter um feixe de pelo menos 5 canais paralelos (quatro subterrâneos: um de águas pluviais e outro de esgoto, de cada lado; e um superficial: o canal central). Cada um desses tipos de canais tem suas águas encaminhadas para estações de tratamento específicas. O ideal é que essas estações fiquem nas fozes dos córregos/rios. Estamos falando de um investimento estratosférico, para corrigir erros históricos e tentar salvar o sistema hídrico de SP. Aliás, a lei brasileira já exige que as águas urbanas sejam totalmente tratadas, fato ignorado pelo Governo do Estado por meio da Sabesp. O município também é corresponsável por isso. Pode parecer inacreditável, mas a atual gestão suspendeu um projeto modelo: o Renova São Paulo, que propunha a reurbanização de córregos na cidade, acompanhado de investimentos em habitação.

(9) Projetos pilotos de fechamento do ciclo de abastecimento-esgoto. Cidades como Singapura (com seus 5 milhões de pessoas) conseguiram fechar o ciclo de água. Ou seja, tudo que é consumido, vira esgoto e depois é tratado com padrões tão sofisticados que podem ser reinseridos no sistema como água potável novamente. Assim, praticamente não é necessário fazer captação de novos recursos; tudo é reutilizado. Acredito que esse é o futuro para qualquer cidade. Para isso é necessário uma rede nova de esgotamento e abastecimento, totalmente lacrada e de alta tecnologia. Em São Paulo isso pode começar a ser feito em certos bairro, como projetos pilotos para que no futuro atingir toda a cidade.

(10) Instalação de relógios eletrônicos individuais e restrição de quantidades per capita por mês. A economia de água que isso propicia pode ser gigantesca: o consumidor paga pelo que consome, mesmo em um prédio com a caixa d’água coletiva. Além disso, a concessionária pode programar o medidor para liberar apenas certa quantia por mês para cada usuário. No caso de torres, é necessário uma instalação mais complexa, com sensores nos barriletes. Essa medida é de alta eficiência e considerada extremamente cara.

(11) Construção de uma estação de tratamento de água para a Represa do Rio Grande. Parte da maior reserva de águas de São Paulo não pode ser usada por causa dos índices de poluição. Existem hoje usinas de tratamento de altíssimo desempenho, capazes de remover quase qualquer poluente. A construção de uma dessas plantas industriais de alta tecnologia viabilizaria o uso da Represa do Rio Grande. Aliás, não consigo entender, a não ser por questões eleitorais, porque isso não começou a ser feito.

Por fim, sou totalmente contrário a qualquer projeto de descentralização de redes de abastecimento, sejam cisternas ou poços artesianos, como política pública. Primeiro, porque já existe um sistema público instalado – e pagamos bem caro por isso no passado; segundo, porque não há como garantir a qualidade dessa água vinda de milhares de fontes diferentes e testar em laboratórios isso rotineiramente é algo incabível em termos de custo-benefício. Terceiro, porque, especialmente no caso dos poços, a exploração pode parecer uma solução mágica no presente, mas é desastrosa no futuro, gerando um desequilíbrio de todo o sistema hídrico com cada um tirando a água da forma que lhe parecer melhor. A única exceção que penso ser desejável a esse respeito é a instalação de sistemas de reaproveitamento de água pluvial em vasos sanitários (apenas para vasos) para novas construções (a adequação em antigas é extremamente custosa e difícil). Torneiras de jardim são perigosas porque podem ser manipuladas de forma inadequada por alguns usuários desavisados, como crianças.

Além disso, sou também contrário à redução de pressão da rede ou rodízio de regiões. Isso pode criar uma solução muito problemática para a saúde pública porque aumentam as chances de contaminação na rede vinda do lençol freático, dada os altos níveis de vazamentos: o mesmo buraco por onde a água vaza, torna-se porta de entrada de agentes nocivos se a pressão é baixa. A ideia de construção de uma usina dessalinizadora em Santos é tão absurda que não merece nem ser comentada.

Essas são medidas de curto, médio e longo prazo; mas todas, caso sejam feitos investimentos brutais, podem dar resultado em pouco tempo (talvez meses). Mas algo precisa ser feito e com o atual Governo do Estado nenhuma mudança sairá sem muita luta popular.

 

Gabriel Kogan é arquiteto e jornalista, formado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP; seu mestrado, em Gerenciamento Hídrico no UNESCO-IHE (Holanda), focou as origens históricas das enchentes em São Paulo.

 

Fonte: Artigo selecionado e publicado aqui por Márcia M. de Castro, da Pastoral Fé e Política ASP.

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