PASTORAL FÉ E POLÍTICA

Arquidiocese de São Paulo

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Fé e Política

Era uma vez, assim começam as estórias para crianças. Era uma vez, dois personagens: o cristão e a política. Faz dois mil anos, a política encontrou o cristão e disse-lhe: - você me perturba. Estava a reinar tranqüilamente sobre todo o Império romano. Todas as religiões que encontrei trouxe para Roma. Criei o Panteão: lugar de todos os deuses. Eles conviviam bem entre si até que o judeu e, principalmente você, cristão, vieram opor-se a mim, combater-me. Não aceitaram pôr o seu Deus no meio dos outros deuses. Reivindicaram ter o ÚNICO Deus verdadeiro e atribuíram ao fundador de sua religião cristã a dignidade de Filho de Deus com a exclusão de todos os outros filhos de Deus.

tito-livio- De fato,- retruca o cristão, - para nós, a política não é sagrada. Não é obra de imperadores transformados em deuses. Não aceitamos prestar culto divino a nenhum Estado ou Monarca. E dessa discussão resultou a perseguição. Os cristãos esconderam-se nas catacumbas, enfrentaram as arenas, morreram mártires. O Império romano reinou sozinho, fazendo política e religião, impondo leis civis e regras religiosas. Opor-se-lhe era morrer. Esse diálogo repetiu-se ao longo de toda a história do Cristianismo. Quando o Cristianismo chegava a continentes em que dominava uma religião como na China, no Japão ou em certas tribos indígenas e queria plantar sua fé, foi perseguido. E também aí houve mártires. Mais recentemente, quando se criou o Estado ateu comunista, a religião foi proscrita e perseguida. Com outras conotações, em países da América Latina e no Brasil durante o governo militar, cristãos questionaram as políticas socioeconômicas em nome de sua fé. Receberam o mesmo tratamento: prisão, tortura, assassinatos, banimento. Há, portanto, uma relação entre a fé e a política, em que a política não tolera e persegue a fé. Os tempos passaram. O cristão se tornou forte. O Império romano abandonou sua arrogância e se converteu ao Cristianismo.

Então o cristão disse para a política: - Faça tudo e só aquilo que eu lhe disser. E a política acabou aceitando o domínio clerical. Outra figura. A fé domina a política. Os papas ora sagram imperadores, ora depõem-nos, conforme os interesses da fé. A fé cristã constrói a Cristandade medieval. E em muitos rincões do Brasil, ainda existem pessoas de Igreja que julgam mandar na política. Em certos países muçulmanos, o fundamentalismo criou uma religião do Estado. Embora tenha demorado séculos, o cristão foi lentamente perdendo força. Certo dia, nos séculos XVI e XVII, a política dirige-se ao cristão e questiona-o: 


noite-sao-bartolomeu- Vocês cristãos já não conseguem manter os nossos países unidos, porque vocês mesmos se dividiram. Católicos de um lado e protestantes do outro travam guerras sangrentas e interminávéis. Vamos negar-lhes o direito de atuar na esfera social. Vocês cristãos são dois: um religioso, outro civil. Enquanto cidadãos civis, vv. são iguais a todos, sujeitos às mesmas leis, aos mesmos direitos e deveres cívicos. Não vou persegui-los, como fizeram o Império romano, os governos militares. Mas como homens de fé, como Igreja, pratiquem a religião somente no interior de seus locais religiosos. Política é coisa da rua, religião da Igreja ou no máximo do interior da família, mas nunca num lugar público: escola pública, praça, trabalho, decisões políticas, jurídicas e econômicas. Fiquem fora de tudo isso. E assim de fato aconteceu. Muitos cristãos aceitaram. Talvez aqui na nossa comunidade haja quem pense dessa maneira. A política reina no território de fora, externo, deixando a fé para o interior das pessoas e dos recintos sagrados. Mas eis que um novo cristão está a surgir. Ele vira-se para a política e diz-lhe:

- A história não está bem contada. Exatamente porque sou cidadão, posso deixar-me iluminar por minha fé e agir na política. A minha comunidade de fé existe como uma realidade social. Por que ela não pode tomar posição pública diante de problemas que nos afetam? Então trava-se um novo debate entre o cristão e a política. Ambos já não aceitam o domínio exclusivo de um deles, seja duma política que amordaça a religião, seja de uma religião que se impõe sobre o Estado. Nem também concordam em viver paralelamente, como se um não tivesse nada que ver com outro. Topam o debate. A política volta-se para o cristão e diz-lhe com razão:

- Você muitas vezes falou demais de realidades celestes e desestimulou os seus irmãos a comprometerem-se na luta política.

- É verdade, - retruca o cristão. – mas já não pensamos assim. Aconteceu o Concílio Vaticano II que nos incita ao compromisso político. Ensina-nos que a fé cristã tem sempre uma dimensão política, ora conservadora, ora crítica. Vai depender de como a entendemos.

- Então, - prossegue a política - vocês cristãos podem meter-se em política enquanto cristãos?

- Sim, senhora. Esta é a nossa vocação. Veja o que podemos e devemos fazer. Para quem não tem nenhum horizonte para construir seu projeto político, oferecemos muitos ensinamentos de Jesus. Especialmente pomos na base de qualquer utopia política o serviço ao mais pobre.

- Bom, - continua a política - isso não vai agradar a muitos.

- Não faz mal. A fé é exigente. Não permite qualquer tipo de participação. Ela é muito crítica a tudo o que significa injustiça, corrupção, suborno, compra de votos, propaganda mentirosa.

- Vocês cristãos católicos só votam em membros de sua Igreja? - observa a política..

adoracao-02- Na verdade, o critério principal para nós é a honestidade, a competência. Se encontramos pessoas que além dessas qualidades vivem em profundidade sua fé na comunidade, preferimos tais candidatos. Não pesa para nós motivos de agradecimento por benefícios recebidos de políticos nem mesmo de parentesco. Aliás Jesus ensinou outro tipo de parentesco. Aqueles que fazem a vontade de Deus.

- Finalmente gostaria de saber, que você cristão espera fazer neste ano eleitoral?

- Analisaremos os candidatos. Veremos aqueles que se aproximam do perfil do evangelho, olhando a sua atuação política anterior e seu compromisso social e comunitário. Se forem de nossa comunidade melhor. E procuraremos unidos concentrar os votos em algumas pessoas de valor para elegê-las. E depois de eleitas não as abandonaremos. Seguiremos-lhes o trabalho político para ver se cumprem o que prometeram.

- Bah! Que programa! Coragem! Assim nosso país melhorará.

 

 

FONTE: Texto sugerido por Rene Roldan, membro da Pastoral Fé e Política da Arquidiocese de São Paulo, e reproduzido aqui com a autorização do autor. Saiba mais sobre o Pe. Libânio clicando aqui

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