É Preciso Romper as Travas da Soberania Popular no Brasil

A Soberania popular democratiza o Estado. A nulidade da soberania é a forma pela qual o Estado agudiza a desigualdade, empressa imporantes políticas públicas, e garante privilégios para os setores abonados.

A soberania popular é o pressuposto da democracia. A noção de soberania é exercida quando o povo – detentor do poder soberano – é respeitado, representado e consultado para as tomadas de decisão dos governos. A legitimidade da política se dá mediante a participação direta da população nos rumos do Estado, do contrário, a cisão entre sociedade e política extingue as possibilidades de emancipação democrática, solapando a soberania popular.

Apenas para citar alguns exemplos recentes, podemos registrar a regulamentação do aplicativo Uber em algumas capitais brasileiras, o aumento da tarifa do transporte público na cidade de São Paulo, a chamada “reorganização” das escolas estaduais paulistas, o repasse para o sistema de saúde no Rio de Janeiro, a administração direta de escolas estaduais pela Polícia Militar em Goiás, a falta de controle das mineradoras pelo governo de Minas Gerais, e o pagamento da dívida pública pelo falido estado do Rio Grande do Sul – que atrasou o pagamento dos servidores públicos estaduais –, sem contar outros infinitos temas de âmbito municipal, estadual e federal. E o que há em comum em todos estes fatos recentes que envolvem decisões governamentais? A completa ausência de soberania popular, pois em nenhum desses casos o povo foi consultado ou teve sua opinião verdadeiramente ouvida pelos poderes públicos.

A Constituição Federal de 1988 define em seu art. 1º, parágrafo único, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, e, ao definir isso, ela acaba por determinar duas coisas: primeiro, que o poder pertence ao povo que dele é fiduciário. Segundo, que o exercício da soberania popular se dá por dois meios: pela democracia representativa e também pela democracia participativa e direta.

Aprofundando esta definição, o art. 14 da Constituição afirma que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular”. Assim, estipulou-se que a forma, ou melhor, os mecanismos pelos quais o povo exerce diretamente sua soberania, são: plebiscito, referendo e leis de iniciativa popular.

É importante destacar que, dessa forma, a Constituição Federal define a coexistência articulada entre dois modelos de democracia, a saber, a democracia direta e participativa e a democracia representativa, sendo esta última regida mediante o voto em representantes nas eleições municipais, estaduais e gerais, para os poderes legislativo e executivo; e a democracia participativa e direta operacionalizada mediante a efetivação dos mecanismos de consulta popular, como plebiscito e referendo, e pela lei de iniciativa popular.

A democracia representativa é a mais “corriqueira”, e a que nós estamos mais acostumados. Ela articula todo o campo jurídico-institucional da representação: eleição de dois em dois anos, com propaganda política, partidos políticos, candidatos, mandatos e assim por diante. Por outro lado, a democracia participativa e direta não se realiza mediante a participação de partidos políticos, nem de representantes eleitos, mas sim, sem as intermediações de pessoas ou instituições, ou seja, pela participação direta do povo, que é consultado sobre algum tema, lei ou política pública. A “disputa” nessa modalidade de democracia não se dá entre partidos políticos ou candidatos, mas entre opiniões contra e a favor a uma determinada matéria, como veremos mais adiante.

Para continuarmos a reflexão, se faz necessário apresentar com maior vagar o que são e como funcionam estes três mecanismos de participação direta previstas na Constituição.

O referendo é uma consulta popular realizada para que o povo diga “sim” ou “não” para uma determinada ideia, ou projeto de lei, ou lei em si, ou política pública, etc. No entanto, essa consulta ao povo se dá posteriormente ao seu objeto estar consentido pelo poder público, ou seja, após a lei ou a política pública ser aprovada. Como, por exemplo, o referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições, realizado em 2005, que não permitiu a vigência do art. 35 do Estatuto do Desarmamento, que proibia a comercialização de armas de fogo e munição em todo o território nacional, salvo em entidades específicas.

Já o plebiscito é praticamente idêntico no tocante à matéria e funcionamento, contudo, a diferença é que o plebiscito – que também é um mecanismo de consulta popular que busca a opinião do povo entre “sim” ou “não” para um determinado tema – é realizado anteriormente a uma lei, ou projeto ou política pública ser totalmente debatido pelo poder público, ou seja, a consulta se dá antes de a lei ou o projeto ser aprovado. Como exemplo, relembramos o plebiscito de 1993, que consultou o povo para que este determinasse qual deveria ser a forma e o sistema de governo do país, antecedendo a discussão institucional.

 

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Fonte: Artigo sugerido e publicado em nosso site por Márcia M. de Castro.